Mano Brown pagou pelos seus erros (até demais); mas, e os policiais?

Atualizado em 15/01/2017

Quando você se envolve mais profundamente com o RAP, acompanhando o dia a dia, você passa a ser mais cético em relação à atitude dos rappers. Você não necessariamente deixa de ser fã, mas você definitivamente não fica os defendendo a torto e a direito. Definitivamente, não.

Mesmo quando o nome envolvido é o do Mano Brown, um dos mais respeitados do RAP Brasileiro; só não é fã do Racionais quem tem treta pessoal com os caras. Fui dar uma olhada no que saiu sobre a sua detenção na última segunda (6) e o que me deixou mais espantado é que não se fala nada sobre a necessidade de investigação da ação policial.

Noticia-se que ele tentou furar a blitz; que ele tinha dez mil reais em débitos de documentação e multas no carro; e até que ele saiu da delegacia sem falar com a imprensa. Todos fatos comprovados e necessários de serem noticiados, sem dúvida, mas não valia nem uma linha de dúvida e questionamento? Afinal, fazia nem uma semana que o menino Eduardo havia sido morto pela PM no Complexo do Alemão.

Será que devemos confiar tanto assim na nossa polícia? O Estados Unidos está pagando caro por isso. Os protestos contra mortes causadas pela corporação não param de aumentar, principalmente quando envolvem um policial branco e um jovem negro. O mais triste é que mesmo em casos nos quais há vídeos mostrando a brutalidade dos policiais, não há uma garantia de condenação. Pelo contrário, os policiais têm sido constantemente liberados e voltado a seus trampos normalmente.

É um absurdo pensar que o que o PM diga é lei, que a versão dele vale mais do que a da vítima, isso se esta ainda está viva pra dar sua opinião. Vejamos o caso do Mano Brown. Não há nada que nos garanta o que realmente aconteceu. Ponto. Isso já é um erro. Com a tecnologia que temos hoje, acessível financeiramente e pouco intrusiva, não podemos mais ficar à mercê do disse-me-disse, para ambos os lados.

Segundo ponto: Mano Brown errou ao furar a blitz; ao não pagar as dívidas do carro; e ao andar com os documentos vencidos. Errou feio. Mas, justifica a detenção, ainda mais da maneira que foi feita? Vamos ser sinceros. Eu não duvido que o Brown tenha dito algumas pros PMs, bem provável que sim, eu provavelmente teria dito também. Mas, e daí? Os caras não deveriam ser treinados pra ouvir merda? Aliás, se é tão fácil pra eles falar merda pra pedestres e afins já que sabem que nada vai acontecer, deveriam também aguentar umas palavrinhas. Do mesmo jeito que pedestres atravessam fora da faixa, policiais dão uns tapas aqui e ali; é a lei do “eu sei que nada vai acontecer comigo”. Igual aquele jogador que dá uma paulistinha no outro disfarçadamente, longe dos olhares dos árbitros.

Até porque, em 2011, o Aécio Neves também foi pego numa blitz com a habilitação vencida. Pior, recusou-se a fazer o teste do bafômetro, que é multa gravíssima, e ninguém nem o tirou do carro, aparentemente. Aliás, como diz a matéria do Estadão, os policiais liberaram o senador porque ele “não apresentava sinais de embriaguez”. Como assim? Ele não aceitou fazer o teste, mas não estava dirigindo sob influência? Estranho.

Convenhamos, Mano Brown não levou um mata-leão e foi atirado ao chão por qualquer coisa que tenha dito na segunda-feira. Mas sim por algo que disse lá pra 1993, algo como “Não confio na polícia, raça do caralho”. A linha de “O homem na estrada” eternizou-se na cabeça de qualquer pessoa que queira fazer alguma crítica à polícia. Os constantes depoimentos sobre a truculência da PM só reforçaram essa ideia. Diga-me, qual PM não iria querer pegar o Brown no erro? Voltamos àquela paulistinha que o jogador dá no outro logo depois de levar um drible, quando o árbitro já virou pro outro lado.

Mas, não falamos sobre futebol. Falamos do nosso sistema legislativo, do judiciário; falamos de justiça. Falamos de algo que resulta, no final dos acontecimentos, na morte de tantos Eduardo. Alguns casos de violência policial são puro disse-me-disse, é verdade, mas a violência policial acontece, é comprovada. Os policiais precisam entender que a sociedade, a maior parte dela, confia neles. Especialmente eles não podem reagir a qualquer ofensa com agressão (muito menos invadir uma sala de aula da oitava série com ameaças de morte só porque foram chamados de “coxinha” por adolescentes); eles precisam dar o exemplo. Afinal, desculpem o clichê, mas “com um grande poder, vem uma grande responsabilidade”.

Não, não estou dizendo que todos policiais são violentos, que todos policiais são corruptos e que devemos odiar os policiais. De forma alguma; tem uns até que chegam na camaradagem promovendo a cultura do Hip Hop! Só não acho que seja justo tratá-los diferente das outras pessoas. Por exemplo, muitas pessoas acham justo que alguém que é suspeito de roubar algo seja alvejado. Afinal, “bandido bom é bandido morto”, certo? Então, pela lógica, seria justo alvejar um PM que é suspeito de matar uma criança com um tiro na cabeça, certo? Ah, não? O que mudou? Parem de achar que qualquer pessoa esteja acima da lei. Todos merecem um julgamento digno, independente do crime. Eu sei, julgamentos muitas vezes resultam em injustiças e isso é uma grande tragédia, mas então lutemos para melhorar nisso. Imaginem o caos que seria se todos resolvessem que estão acima da lei; duvido que você teria coragem de olhar torto pra alguém no trânsito ou sair de casa. Aliás, acho que você teria medo até de sair do seu quarto e o blindaria.

Pra terminar, já que não temos vídeo algum do ocorrido e apenas as palavras das duas partes, deixo o depoimento que o secretário municipal de Direitos Humanos de São Paulo, Eduardo Suplicy, publicou em sua página no Facebook sobre o caso:

Nesta segunda, Mano Brown, dos Racionais Mc’s, foi à farmácia comprar um remédio para sua mãe, que esteve hospitalizada. No caminho, foi parado por batalhão de PMs. Abriu os vidros, desceu do carro. Mandaram ele elevar os braços por trás da cabeça. Brown pediu para não tocarem nele. Um forte policial deu-lhe um mata leão e o derrubou no chão. Diversos passaram a ofende-lo. Algemaram-no e o levaram ao 37DP, no Campo Limpo. Vicente Cândido e eu fomos lá até que fosse liberado, às 20:30hs. Maior respeito e civilidade especialmente aos negros se faz necessário. O fato de o exame de saúde da carteira de habilitação estar vencido não justificava aquele procedimento.

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