Emicida e LAB no SPFW, o outro lado da representatividade

Atualizado em 31/01/2022

Até conhecer o trampo do Emicida, eu acreditava que pra você gravar um disco ou até mesmo uma música, você precisava do aval de alguém lá de cima, do investimento de uma gravadora. Ali pra 2009/2010, com a consolidação do rapper, com a chegada da “Emicídio”, comecei a me meter mais nessa parada de hip hop.

Emicida era o cara no topo do jogo que mostrava pra todo mundo que cê não precisava esperar por qualquer um pra fazer o corre, que um trampo bem feito falaria mais por você. Inclusive, ele até rimou isso naquela “em vez de reclamar que eu não toco no Espaço Rap, eu fui trabalhar e arrumei espaço pro meu rap” (verso que inspirou um texto sobre a mídia do Hip Hop brasileiro).

Isso é representatividade; é alguém chegar lá e mostrar pra todos com aquela determinada condição que é possível. E ontem, uns 7 anos depois, ele foi lá e fez de novo, mas dessa vez mostrou, pelo menos pra mim, um outro tipo de representatividade.

Ao lado do Fióti e de toda equipe Laboratório Fantasma, ele apresentou a destruidora coleção Yasuke, no São Paulo Fashion Week.

Quando o Emicida “me mostrou” que cê podia criar seu próprio espaço na cena, ele tava me dando um exemplo. Aquilo era algo que eu queria fazer e ele tinha me mostrado que era possível. Eu não quero ser modelo; não quero ser estilista; não quero ter uma grife de roupas; não sou nem negro, nem uso roupas plus size.

Caralho, mano, eu nem sei exatamente o que eu penso sobre as peças, mas eu me senti representado demais vendo tudo isso acontecer. Com certeza, o fato de ser alguém do hip hop responsável por isso, nos deixa mais envolvidos. Ver alguém “tão próximo” levar essa parada da inclusão tão forte e de uma maneira tão bonita é inspirador mesmo.

Eu já vi uns falarem “discurso de representatividade é bonito, mas quero ver essa representatividade nos preços das peças” ou “Ah, mas esse preço não representa a favela”. As pessoas estão, definitivamente, confundindo as coisas.

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Eu provavelmente não vou comprar peça alguma, mas isso não me impede de ver a grandiosidade e a importância dessa parada acontecer. Como eu disse, não sou negro, nem uso roupas plus size, mas qualquer pessoa com dois neurônios deveria poder fazer a matemática básica pra entender que um país com maioria negra TEM que ter mais negros na “passarela”; que pessoas obesas são praticamente excluídas, não só na alta-moda, mas pra comprar qualquer tipo de roupa.

Sem contar o nome da coleção ser “Yasuke”, o negro que nasceu na África e se tornou samurai; sem contar o discurso do “fiz com a passarela o que eles fez com as cadeia e com as favela, enchi de preto”. Porra, isso é de uma representatividade que transcende qualquer coisa!

E sobre o preço, se a gente for ver, não tá caro. Como eu disse, provavelmente eu não comprarei, não é muito pro meu orçamento de roupas, mas não tá caro. Até onde eu sei, é um trampo feito sem mão de obra escrava (análoga) como a maioria das paradas que compramos por aí; até onde eu sei, a grana com as peças servem pra financiar várias paradas maneiras que a gente curte por aí e têm inspirado tanta gente. A própria Laboratório Fantasma é uma empresa, hoje, com dezenas de funcionários que precisam ser pagos, certo?

Convenhamos, em questão de preço, o que representa a favela então? Será que é o Trilha Sonora do Gueto cobrar R$100 numa camiseta ou o Eduardo cobrar R$25 num CD? Esse é o preço pra se fazer um bagulho original, hoje. Ainda mais quando cê vive disso e todo mundo sabe que o rap pelo rap mesmo, não dá grana.

Foto: Ze Takahashi / FOTOSITE
Foto: Ze Takahashi / FOTOSITE

E tem outra parada bem maneira nisso tudo: os moleques foram lá e fizeram, de novo. Se meteram numa parada, aparentemente, bem fora do escopo deles e transformaram em lar. Na primeira, como recém-nascidos, bagunçaram o tabuleiro todo.

Quando eles lançaram uma mixtape a 2 reais e ninguém botou fé, já foi incrível. Mas, ainda assim, era rap, eles entendiam alguma coisa daquilo, embora tenham aprendido muito de marketing na caminhada. Mas, moda? Sério mesmo? “A criação é uma folha em branco em todas as plataformas. Criando uma faixa ou desenhando uma camiseta, o que eu quero é contar uma história. Esta é uma sensação deliciosa”, disse o Emicida para a Vogue.

Tudo bem que eles contaram com ajuda do João Pimenta nas ideias e Seu Jorge e Ellen Oléria na passarela, mas é de uma cara de pau admirável. Coragem inspiradora mesmo.

Foto: Rafael Chacon / FOTOSITE
Foto: Rafael Chacon / FOTOSITE

Lembro que revendia as primeiras peças do Emicida e Laboratório Fantasma, aquela camiseta roxa da primeira mixtape. Ainda tenho a minha também. E agora os caras tão lá no SPFW. E foram só uns 6 anos. Chega a ser até meio surreal pensar nisso. Quantas barreiras até então intransponíveis esses caras não destruíram em tão pouco tempo pra chegar ali?

Moisés de “Yasuke One”, aliás, foram quantos mares vermelhos esse mês, huh?

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